Sou o colibri
que na permissão
dos anjos,
circulo a tempo
o seu quintal,
na espera do momento exato
da sua estação...
Enfim, 
pouso em seu coração
e levo no bico
o que eu sempre quis:
o seu néctar.

Divagação

Confesso: Atravessei por baixo
da passarela do momento
e por um instante,
fui atropelado pelo tempo.

Braços, pernas, olhos,
lábios, nariz e as orelhas,
voaram para o outro
lado da pista;
enquanto o coração
estava preso ao fio
da razão.

O socorro não chegou
e ninguém
a não ser eu mesmo,
pôde tocar
nos meus próprios destroços.

Sei que estou morrendo
mais uma vez,
por um sentimento,
onde a infinitude
é um fato concreto.

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O dia
amanheceu agonizando...

E a calçada,
num chão soberbo e sujo,
abraçou na sua
natureza morta,
o silêncio
de um olhar cotidiano,
que no instante fotográfico,
vestia um sorriso.

Hoje, há quem fale;
que o dia respira normalmente
e transpira poesia.
Sem a menor chance
de uma possível recaída.

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Escândalo

No esbugalhar
tranquilo do sol,
após o divórcio do sereno
com uma linda madrugada,
as crianças da aldeia,
já corriam
a levantar poeira.

Mas foi sobre a sombra
de algumas folhas,
em uma rua
ao lado do cemitério
(rua essa sem saída),
que aconteceu
a cena de amor
mais bonita
que a aldeia
ainda comenta...

Foi nesse cenário
meio cinematográfico,
que uma borboleta
beijou, escancaradamente,
uma flor.

Provocando sem perceber
cenas de ciúme
em um colibri.

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Uma só lágrima
trazia no seu trajeto:
um rio,
uma casa,
uma praça
e muitas outras histórias;
que se perderam
num chão molhado.

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Fotografia

Hoje eu acordei
um tanto triste,
talvez devido
a um mar de coisas
que me afogam...

Embora tudo
que recite, cite e sinta;
mesmo assim,
não foi neste momento, ainda,
o suficiente,
para que fosse
fabricado em mim,
uma só lágrima.

É!...
Fugir para o passado,
no medo de enfrentar
o presente...
E comecei a rever fotografias,
até que me veio a sua.

Daí!...
Deu um relâmpago
na minha visão,
um anuviar
no meu pensamento,
uma trovoada
no meu coração;
e lógico,
uma ventania
nos meus movimentos.

E veja só:
no ápice dessa vigência,
de um turbilhar de imagens;
o inevitável...
Começou a chover
no meu rosto.

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Liquidificador

Mergulho de cabeça
numa cuba,
e tampo-a
para não respingar
o chão encerado.

Alguém toca
na última rotação
do controle,
de um design perfeito:
líquido, fico...

Despejado numa garrafa,
sou sugado
por um canudo...
desço feito raio,
corpo abaixo...

Saio em detritos
que adentram
em um jardim:
estrume, adubo, terra.

Nasce dessa transmutação:
uma flor.

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Geladeira

Estou geladeira.
E de braços abertos,
quero refrescar
o momento.

Com a cabeça congelada,
o peito resume
numa só prateleira...

Na barriga
(praça principal do corpo),
guardo e conservo
a feira do Domingo.

Nas costas,
suporto a máquina
que pulsa a vida,
ambos,
dependentes de energia.

De pés fincados
nesta geração,
a cada instante
tenho uma cor,
com as quais atravesso
as vitrines dos olhos.

Mas com toda modernidade
que me veste,
o blackout me assusta.

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Sento no degrau
de uma escada qualquer...
e observo a leveza
de um colibri.

E parados no ar
dividimos um pedaço da tarde,
que começa a morrer
no momento que o horizonte engole o sol.

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Invernar

O galo canta
e o apito do trem
confirma...
Está morrendo
a madrugada.

Luz acesa na cozinha
e o cheiro fresco
do café
a perfumar o quintal.

As plantas
já acordadas
aguardam o tempo
que divide:
manhã, tarde, noite...

Lábios rachados,
corações partidos.
Todos vestidos por agasalhos
que fingem aquecer:
corpos e momentos.

Lágrimas
que descem rostos
e somem
em poças d´água.

Um grito interno
dilacera
o instante mágico
do sonho.

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Corpos

Na inocência da atitude
parí linhas
e viajei, na possibilidade
de deslizar num corpo
feito de pensamentos.

No ponto alto da vontade,
sigo geograficamente
uma sina.

Frente a frente
às meninas,
que ela trazia nos olhos;
acordei toda cena
que se congestionava
num engarrafamento de idéias, entre: fragmento, suor e sussurro.

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Hoje na penumbra
de uma garagem,
o dia ganhava sentido.
É!... Meus olhos foram testemunhas.

Cruzou a roleta
de um prédio qualquer,
vestida aos cem porcento de cor preta
e carregando sobre os braços
uns quinze porcento da cor vinho...

Num sorriso musical
e em gestos solarados,
trazia consigo
o vento da felicidade...

É!... Chegava como se fosse, também, mais um dia...
É!... Estou falando da "BIA"!!!
E os meus olhos
afundaram em minha própria lacrimosidade.

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Faca

Uma faca de um só gume,
corta o vento
de uma vontade...

Cala: palavra, grito ou gemido.

Uma faca
de um só gume,
esquarteja um coração
e divide o poema
em dois gumes.

 

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Sou um mar...

Que nos meus altos e baixos,
entre ondas e calmarias,
sob ventos e tempestades,
contra corpos, campos e obstáculos;
tenho momentos doces e salgados...

Sou um ser.

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Sua essência se faz rio
e é embebecido
pelas cidades fictícias
que nascem a cada
piscar dos meus olhos.

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Pego o momento
que me assalta
e quebro-o
em várias fraturas expostas.
E exponho em paralelo,
universos diversos.

Fotografo: vivências, olhares,
odores e até mesmo,
o sentimento
captado pelo som
de quem conta uma história.

Inspiro tudo
e transpiro o sumo...
Revelo a essência em palavras
e sigo discretamente
por trás das linhas
que formam trilhas,
fazendo desse movimento
um retrato falado.

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Vou tatuar a sua imagem,
em um dos seios
de uma das meninas
dos meus olhos,
para nunca mais
perdê-la de vista.

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Estado de coma

O paciente
só respira
através dos seus próprios sonhos!

Acordá-lo
para a realidade,
seria o fim
de um poema...

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Poema ridículo

Uma carta
na cidade de tantas.
Anda, anda, anda e anda
a procura da praça.
chega e repousa
no colo do criado-mudo,
na espera
de ser importante.

Coração enfermo,
olhos cegos,
ouvidos surdos,
corpo duro,
silêncio que fala, recita,
grita e chora.

Linhas, artes e olhares
se confundem com cobranças
na cidade de tantas.
E são engolidas no barulho do bar...
Entre papos, displicências, poesias,
refrigerantes, aipim e carne-seca.

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Lanche

Um lanche de letras
servido à distância.

Na simplicidade
de uma mesa modesta,
uma toalha incolor.

No centro de tudo,
um único bule
com a essência
da nossa amizade.

Do fundo da sala
a música clássica
veste o silêncio.

Puxo uma cadeira
e me sento na lembrança.

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o jardim secreto

por Dani Grez  

 

 

Estação

Jardim...

As estações e os momentos
que já se foram
são lembranças
que não respiram mais saudade.

No mear do outono
e a caminho
de um provável inverno,
o tempo cria
uma cerca de borboletas,
sobre o calor
de um verão fictício.

Beijos colibrianos,
sugam os néctares
que se espalham
em jardins anônimos.
Onde grávidos do tempo
abortam vidas...

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Tempo Instável

Não venta em mim expectativas.
O coração dorme,
por ordem do cérebro.

Meus olhos chovem rios
alagando o rosto...
Solto um grito trovejante
numa cidade surda e muda.

Insisto em escrever.
Tento chocar minha sensibilidade com metáforas...

Despido de letras,
sinto como se fosse
uma folha em branco.

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O filme

Vitrine do ego...
Desarmonia fonêmica,
poluição sonora,
fogo cruzado,
ausência de palavra,
corpo que cai,
mulher de pedra.

O cego...
Numa sala escura
do vazio da cidade,
é o homem
que ainda se perde
chorando chuva.

Créditos de um filme
sobem na tela...
Espaço e história,
se dispersam no vento.

Luzes acesas...
Final da sessão.

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Grito

Tento segurar,
a ansiedade
que guardo
dentro de um grito,
preso no coração.

Amanhece...
Explode no corpo
uma rebelião,
onde a fuga
de um grito é inevitável...

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Terraço

Morro quando olho,
favela
dentro de mim.

Na janela abre um sorriso:
bom dia, boa tarde ou boa noite.

Lata d´água na cabeça,
parabólica no telhado,
birosca no caminho,
tênis importado no pé.

O estampido acontece...
É rotina...
E sem direção
a perdida bala
acha um corpo
e o desprograma.

Na horta da tia,
cai uma semente:
Brota o broto,
o galho, a folha,
a flor, a essência...

Uma criança de chupeta
cruza o meu olhar.
E nas meninas
dos olhos que carrego:
cenas, histórias e vivências.

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